“Os trabalhadores devem
ficar atentos, porque há uma nova lenga-lenga patronal na praça: a tal da
demissão responsável. A bem da verdade, o embuste nem é tão novo assim: vem
sendo usado no Brasil desde a virada do século para disfarçar a liberdade cada
vez maior que as sucessivas gerências do Estado outorgam às empresas para que
possam demitir à vontade. Agora, no entanto, com a agonia do sistema
capitalista, a falácia da demissão responsável vem sendo cada vez mais invocada
pelo empresariado na vã esperança de que o proletariado se conforme tanto com o
desemprego conjuntural quanto com o estrutural e aceite a precarização
generalizada como única opção.
A demissão do tipo alegadamente responsável tem origem no conceito ianque de outplacement,
que antigamente remetia apenas à ideia de a empresa dar apoio aos altos
executivos que dançavam nos processos de reestruturação para que arranjassem
emprego em outro lugar, ajudando em coisas como preparação de currículo e
escrevendo boas cartas de recomendação. O outplacement passou a figurar
no rol de embustes patronais quando certo sindicalismo de natureza oportunista
passou a apresentá-lo como vitória conquistada nas negociações (ou conchavos)
com a direção de empresas para se chegar a acordos de demissões em massa.
Quando bate no chão da fábrica, ou seja, quando vira programa no tratamento com
os trabalhadores, e não mais com diretores vítimas de enxugamento, o outplacement
passa a ser mencionado demagogicamente como demissão responsável, consistindo
basicamente no oferecimento de uma série de serviços fajutos de RH (Recursos
Humanos) por parte da empresa que está demitindo a granel, e só para quem adere
aos famigerados programas de demissão voluntária.
São palestras motivacionais inócuas, cursos bobocas de "reciclagem"
profissional, encaminhamento a entrevistas de trabalho onde se concorre com
centenas ou milhares por meia dúzia de vagas, aconselhamentos irrealistas para
a abertura de negócios próprios (onde se repete uma outra lenga-lenga, a do
empreendedorismo, mantra das classes dominantes, e se vende a ilusão do
capitalismo popular), planejamento de carreira (justamente na hora em que se
vai para o olho da rua) e acompanhamento psicológico alicerçado em categorias
"psi" individualistas e nas premissas do trabalho alienado.
Tudo isto, toda esta
picaretagem gerencial, resulta em que apenas uma pequena porcentagem dos
demitidos consegue um novo emprego, via de regra com salários mais baixos e em
piores condições de trabalho. Mesmo assim, são eles que vão aparecer na TV, e
não a multidão cada vez maior de desempregados que está pelas ruas do país. São
eles, os "recolocados", que serão apresentados pelo monopólio dos
meios de comunicação que apóia toda esta sujeira como exemplos vivos da chamada
"responsabilidade social das empresas" — o embuste-mãe da demissão
responsável.
E assim, mais uma vez, os direitos e garantias conquistados pelos trabalhadores
ao longo de toda uma história de duros enfrentamentos com o capital vão sendo
aos poucos substituídos por um emaranhado de gambiarras cujo objetivo não é
outro senão ajudar as empresas a manipular a força de trabalho segundo as
conveniências da hora, da maneira que acharem por bem.
A quem realmente interessa
No Brasil, a demissão
alegadamente responsável costuma ser usada, sobretudo por empresas
transnacionais quando levam a cabo processos de fusão e em momentos de grandes
"reestruturações", quando o capital se rearranja para aumentar seus
lucros e invariavelmente desencadeia processos de demissões em massa. O que as
direções buscam é polir sua imagem junto ao público em momentos nos quais
mostram da forma mais escancarada sua verdadeira natureza de exploração e
chantagem.
Empresas como Volkswagen, Kaiser, Adams, Renault e Avon já se valeram deste
estratagema. Mas os primeiros programas de "outplacement
coletivo" que foram implementados em nosso país aconteceram no final de
1999 e no início do ano 2000, levados a cabo pelo oligopólio de telefonia no
início dos processos de enxugamento de pessoal que foram feitos após a
privatização das telecomunicações brasileiras.
Os embustes de grande porte requerem conhecimento especializado, e por isso o
programa da Brasil Telecom foi desenvolvido pela consultoria francesa BPI. As
empresas francesas especializadas têm comprovada experiência no ramo. Na
primeira semana de março, como parte dos eventos que marcam o ano da França no
Brasil, uma comissão de lá esteve reunida com o ministério do Trabalho e com
sindicalistas de cá para apresentar os macetes das novas estratégias
corporativas de redução de custos e os caminhos do peleguismo europeu de ponta.
Um dos motivos da presença por aqui dos especialistas franceses em demissão
(ir)responsável é o fato de que esta prática já se mostrou muitíssimo eficaz
para uma redução drástica das ações trabalhistas. Tendo em vista que o Brasil é
recordista mundial em processos judiciais contra os patrões, isto dá conta de a
quem os outplacement da vida realmente interessam.”
** Professor José Ricardo
Prieto, diretor geral do jornal “A Nova Democracia”